A União Europeia tem buscado impor restrições aos produtos oriundos de regiões ou mesmo de propriedades que possam ter alguma relação com o desmatamento. Ainda que muitos tenham a percepção que isso se intensificou nas últimas semanas, especialmente após a COP-26, esse é um movimento que tem ocorrido desde que as taxas de desmatamento do Brasil passaram a aumentar.
Como mencionado várias vezes pela ministra Tereza Cristina, depois da assinatura do acordo Mercosul-União Europeia, as críticas contra o Brasil se intensificaram. E é natural. O Brasil, apesar dos seus inúmeros desafios, é muito competitivo na produção de alimentos, fibras e bioenergia. É esperado que, especialmente produtores europeus, se sintam ameaçados com a produção brasileira. Isso vai ocorrer mesmo.
Porém, o Brasil poderia tirar essas críticas e qualquer mecanismo de proteção comercial “de letra”. Poderia dar um show. Com números e fatos. A maior parte do país é destinada à conservação da vegetação nativa, a agropecuária de baixa emissão de carbono não para de crescer, a produção é movida à ciência, sendo a Embrapa uma das marcas mais reconhecidas do mundo.
No entanto, tudo isso perde força frente às crescentes taxas de desmatamento. E quem ganha com o desmatamento? O agro, com certeza não. Mais do que as barreiras comerciais, corremos o risco ainda de colocar em xeque algo que demorou muitos anos para se concretizar: o Código Florestal. Já existe compradores que não querem mais diferenciar o legal do ilegal. Quanta luta houve para essa separação.
O Brasil tem perdido o jogo para ele mesmo. As ilegalidades privilegiam apenas um pequeno grupo. Estudo recente do MapBiomas aponta que apenas 2% dos produtores legais realizaram desmatamento em suas propriedades. Assim, existem no país quase cinco milhões de famílias que produzem corretamente e que estão sendo prejudicadas pelas ilegalidades.
Nesse contexto, os clientes do Brasil querem saber a origem dos produtos. Se o desmatamento não fosse um problema, talvez toda essa pressão sequer acontecesse.
A rastreabilidade vai ter que acontecer. Ela pode vir em um modelo europeu. Ou ela pode ser construída por brasileiros, por produtores rurais, por universidades, pela Embrapa, pelo terceiro setor que atua no Brasil. Mas ela precisa considerar as nossas peculiaridades. Ao não assumir esse desafio, corremos o risco de receber um modelo imposto pela Europa.
Ela pode ser construída de maneira lenta, gradual e segura. De modo que todos os produtores rurais sejam incluídos e capacitados no processo. Ou, como tudo está indicando, ela será top-down. Quem se adaptar fica, quem não se adaptar vende para mercados que pagam menos.
O agronegócio brasileiro tem que ser o primeiro a levantar a bandeira contra o desmatamento ilegal, a favor do código florestal e para demonstrar aquilo que faz com muita facilidade: conservar e produzir.
Vivemos em cadeia. A agroindústria não vai perder seus clientes. Ou os produtores rurais farão parte dessa conversa e a construção será conjunta. Ou, em pouco tempo, receberão um modelo a seguir. É isso que queremos? O joio está misturado com o trigo.
*Luciano Vacari é gestor de agronegócios e diretor da Neo Agro Consultoria